Ora, a história dos seres humanos construtores da antiga Torre de Babel servia, segundo a tradição, como exemplo da arrogância da humanidade, que um Deus todo-poderoso e punitivo castigou. Assim entendido, dispersou os seres em comunidades distantes entre si, multiplicando as línguas de modo que nunca mais se voltariam a compreender a não ser de modo inacabado devido à falácia das traduções e à ignorância dos intérpretes. Valorizamos esta falácia e esta ignorância: pertencem as duas ao universo do inacabado, que é também o universo do ainda-por-imaginar. Queremos pensar a Torre de Babel de outro modo. Vamos, portanto, introduzir mais um ruído no meio do nosso diálogo que a tradição também atravessará. Com efeito, quem ficou castigado não fomos nós, já que perante a dispersão e a confusão, crescemos em meios de sobrevivência, comunicação e cultura, i.e., em auto-conhecimento. Aprendemos novamente que o mundo não nos é simplesmente dado: ele e tudo o que nele vive e persiste exige de nós uma reacção, uma resposta, eventualmente, uma responsabilidade, quanto mais não seja, o nosso testemunho.